CJT - Linguagem e [Inter]Subjectividade
ver "Pragmática da Comunicação [I]"
Poderíamos considerar a linguagem como o melhor instrumento do Homem para comunicar. A prestação da mensagem enquanto instrumento de comunicação provoca no interlocutor [e no emissor] um comportamento adequado ao que foi transmitido. Neste contexto podemos considerar que "o comportamento da linguagem admite uma descrição behaviourista em termos de estímulo e resposta". [1]
Não devemos, no entanto, confundir linguagem com discurso. O discurso pode ser considerado como a linguagem posta em acção, necessariamente entre parceiros. O papel de transmissão de uma mensagem pode ser desempenhado por meios não-linguísticos.
Falar da linguagem como instrumento é, assim, redutor. Um instrumento é algo externo ao Homem, coloca-o em oposição à Natureza. "A linguagem está na natureza do Homem, que não a fabricou".[1]
Ver o Homem como um ser separado da linguagem, procurando, ele próprio, conceber a existência do outro, é algo que não faz sentido. O que encontramos é um Homem que comunica, um Homem que fala com outro Homem. "A linguagem ensina a própria definição do Homem".[1]
Dissociar a linguagem do Homem ao considerá-la um instrumento torna-se suspeito, embora a função da linguagem enquanto objecto de troca entre dois parceiros possa levar a essa definição. Devemos, no entanto, ter em conta determinadas características desta que a tornam em algo mais que isso: a sua natureza imaterial, a sua organização articulada, o seu conteúdo. Se queremos falar de instrumento por remetermos a utilização da linguagem como objecto, devemos considerar como tal, antes de mais, a palavra.
Para que a palavra veja essa função instrumental assegurada, para que assegure a comunicação, deve estar habilitada a tal pela linguagem, de que é apenas a actualização, linguagem que confere à palavra a condição dessa aptidão.
A realidade do Homem, a sua realidade que é a do ser, só encontra fundamento na linguagem. É esta que fundamenta a constituição do Homem como sujeito, o seu ego. A subjectividade de que aqui se fala não se trata do sentimento de cada um ao experimentar ser ele mesmo. Esta subjectividade trata-se da capacidade do locutor em propor-se como sujeito. Trata-se da "unidade psíquica que transcende a totalidade das experiências vividas, que reúne e que assegura a permanência da consciência"[1], não é mais que a verificação de uma propriedade fundamental da linguagem intrínseca ao próprio ser. "É ego que diz ego".[1] O fundamento da subjectividade é determinado pelo status linguístico da pessoa.
O emprego do eu é somente possível quando nos dirigimos a alguém, o tu. Esta constatação relaciona-se com o facto de a consciência de si mesmo ser apenas possível por contraste - é constitutiva da pessoa pois implica reciprocidade: eu sou o tu na alocução do que se designa por eu.
"A linguagem só é possível porque cada locutor se apresenta como sujeito, remetendo a ele mesmo como eu no seu discurso. Por isso, eu propõe outra pessoa, aquela que, sendo embora exterior a 'mim' torna-se o meu eco - ao qual digo tu e que me diz tu. A polaridade das pessoas é na linguagem a condição fundamental, cujo processo de comunicação, de que partimos, é apenas uma consequência totalmente pragmática". [1]
Esta polaridade apenas existe na linguagem. Não significa igualdade nem simetria, o ego tem sempre uma posição de transcendência em relação a tu. Nenhum dos termos é concebível sem o outro - são complementares numa oposição interior/exterior e, ao mesmo tempo, reversíveis. Não se trata de uma dualidade ou antinomia, trata-se antes de uma dialética. "Única é a condição do Homem na linguagem". [1]
O fundamento linguístico da subjectividade descobre-se numa realidade dialética que engloba os dois termos [eu e tu] e os define pela sua relação mútua.
A linguagem é de tal forma marcada pela subjectividade que nos perguntamos se poderia existir sem esta. A utilização dos pronomes pessoais é disso exemplo: entre os signos de qualquer língua, de qualquer tipo, região ou época, estes surgem sempre. "Uma língua sem expressão de pessoa é inconcebível".[1]
A distinção dos pronomes de qualquer outra designação que a língua articula é notória: não remetem nem a um conceito nem a um indivíduo. O conceito eu não engloba todos os eu que são enunciados a todo o instante por todos os interlocutores. O eu não denomina nenhuma entidade lexical. Assim, estamos na presença de algo muito singular: não sendo admissível que o mesmo termo possa referir-se, ao mesmo tempo, ao locutor e aos restantes individuos, os pronomes pessoais enquadram-se numa classe aparte de todos os outros signos linguísticos - refere-se apenas ao acto de discurso individual no qual é pronunciado e designa o locutor desse acto. A sua singularidade é determinada pelos seguintes factores: o eu apenas pode ser identificado dentro do acto de fala; é pelo discurso, pelo exercício da língua, que o sujeito se constitui como tal [não existe subjectividade sem linguagem]; pela forma como é organizada a linguagem, qualquer locutor pode apropriar-se da língua toda, designando-se como eu.
Dos pronomes pessoais dependem ainda outras classes de pronomes, participando no mesmo status. São os demonstrativos, advérbios, adjectivos - indicadores da deixis [ou deícticos] que se encarregam de organizar as relações espaciais e temporais em torno do sujeito. Definem-se apenas com relação à instância do discurso na qual são produzidos, sob a dependência do eu.
O domínio da subjectividade amplia-se e chama a si a dimensão da temporalidade, organização linguística da noção de tempo. Embora uma língua distinga sempre tempos [passado e futuro separados por um presente ou presente-passado por oposição a um futuro] a referência será sempre o presente, isto é, o tempo em que se fala. A coincidência do acontecimento descrito com a instância de discurso que o descreve: a marca temporal do presente só pode ser interior ao discurso - o tempo em que se está é o tempo em que se fala, esse é o momento eternamente presente. "A temporalidade humana com todo o seu aparato linguístico revela a subjectividade inerente ao próprio exercício da linguagem". [1]
Assim, temos que se a linguagem é a possibilidade da subjectividade, o discurso provoca a emergência da subjectividade. É assim porque a linguagem comporta as formas linguísticas necessárias à expressão, ao passo que o discurso consiste de instâncias discretas, permitindo então a emergência dessa subjectividade: as formas vazias propostas pela linguagem são apropriadas por cada locutor no exercício do seu discurso que as refere á sua pessoa - define-se assim como um eu e ao seu parceiro como um tu.
"A instalação da 'subjectividade' na linguagem cria na linguagem e, acreditamos, igualmente fora da linguagem, a categoria da pessoa". [1]
Podemos ainda verificar a influência da subjectividade na organização das formas ou na relação de significação. Tomando como exemplo a mudança da forma verbal ['eu como, tu comes, ele come'] esta aparenta não existir uma mudança de sentido. Existe em comum e constante o facto de que a forma verbal apresenta uma descrição de uma acção atribuída, de forma idêntica, a eu, tu e ele. Existem, no entanto, alguns verbos que escapam a essa permanência, denotando disposições ou operações mentais.
Ao dizer "Eu sofro", descrevo o meu estado presente. Dizendo "Sinto que o tempo vai mudar", estarei a descrever uma impressão que me afecta. Se disser "Creio que o tempo vai mudar", a operação de pensamento não é a mesma que o objecto enunciado - converto numa enunciação subjectiva um facto, isto é, "o tempo vai mudar", que é a verdadeira proposição, o que equivale a uma afirmação mitigada.
Verbos como "creio", "suponho", "julgo", são frequentemente seguidos de que + uma proposição: esta é o verdadeiro enunciado, não a forma pessoal que a governa. Mas é essa forma pessoal que lhe confere a subjectividade, dá à asserção que se segue o contexto subjectivo que caracteriza a atitude do locutor em relação ao enunciado que profere. Esta manifestação de subjectividade só tem expressão na primeira pessoa. Estes verbos caracterizam-se pelo facto de darem sentido a um acto individual de alcance social. Não fazem sentido se conjugados na terceira pessoa - esta é a forma do paradigma verbal que remete para uma "não pessoa", referindo-se a um objecto colocado fora da alocução, perdendo o grau de subjectividade. Veja-se "Eu juro" e "Ele jura". O ele caracteriza-se pela oposição ao eu do locutor, formando-se numa não-pessoa. "Eu juro" coloca sobre o locutor a realidade de um juramento. A enunciação em si é um cumprimento - "jurar" consiste precisamente na enunciação "Eu juro" pela qual o ego está preso.
Por aqui se vê que o mesmo verbo, consoante seja assumido por um sijeito ou seja colocado "fora da pessoa", adquire um valor diferente. A própria instância de discurso que contém o verbo representa o acto fundamentando o sujeito - o acto cumpre-se pela instância de enunciação do seu nome [jurar] e o sujeito é apresentado pela instância de enunciação do seu indicador [eu].
"Muitas noções na linguística, e talvez mesmo na psicologia, aparecerão sob uma luz diferente se as restabelecermos no quadro do discurso, que é a língua enquanto assumida pelo Homem que fala, e sob a condição de intersubjectividade, única que torna possível a comunicação linguística.[1]
[1] Émile Benveniste, Problemas de Línguística Geral, S. Paulo, Companhia Editora Nacional, 1976.















A inclusão do contexto no qual se produz a comunicação abriu um amplo campo de significados no estudo desta. A proposta do modelo apresentado por Haley é bem ilustrativa.
Transmissão de informação, rectroalimentação do destinatário e contexto comunicacional completam a abordagem a um modelo de comunicação humana e estabelecem três áreas fundamentais do seu estudo:


